quarta-feira, 14 de abril de 2010

3. CIGANOLOGIA OU ROMOLOGIA?



Ainda na Introdução do meu livro escrevo: "De todos os ciganos, os
Rom são os mais estudados e descritos. Isto porque estes ciganos, e
entre eles principalmente os Kalderash – inclusive no Brasil - ,
costumam considerar-se a si próprios "ciganos autênticos", "ciganos
nobres", e classificar os outros apenas como "ciganos espúrios", de
segunda ou terceira categoria. Como antropólogos e linguistas tendem
a estudar de preferência povos "autênticos", que ainda conservam sua
cultura e língua tradicional, a quase totalidade dos estudos ciganos
trata de ciganos Rom e praticamente nada se sabe dos outros grupos.
(...)

"Este "rom-centrismo", dos próprios ciganos e dos ciganólogos, faz
Acton falar até de "romólogos" que, em lugar de analisarem as
diferenças culturais entre os grupos ciganos, apresentam um modelo
ideal como se os ciganos formassem uma totalidade homogênea. Segundo
este sociólogo, "A grande falha da literatura sobre ciganos, oficial
e acadêmica, é a supergeneralização; observadores têm sido levados a
acreditar que práticas de grupos particulares são universais, com a
concomitante sugestão que [os membros de] qualquer grupo que não têm
estas práticas não são "verdadeiros ciganos".

"Ou seja, a cultura rom passa a ser considerada a "autêntica" cultura
cigana, a cultura "modelo". E quem não falar a língua como eles, quem
não tiver os mesmos costumes e valores ..... bem, estes só podem ser
ciganos de segunda ou terceira categoria ....... Entende-se assim
porque a quase totalidade dos livros de ciganólogos que tratam
genericamente da suposta "Cultura Cigana", na realidade descrevem
apenas ou quase exclusivamente a cultura dos ciganos Kalderash que
durante séculos viveram nos Balcãs – na atual Romênia na qualidade de
escravos, libertos somente na segunda metade do Século XIX – onde
desenvolveram uma cultura fortemente influenciada pelas diversas
culturas nacionais, em especial a romena".

A pomana (rituais fúnebres), a kris (espécie de tribunal de justiça
local) e o conceito de marimhé (sobre pureza/impureza das mulheres),
por exemplo, são comprovadamente de origem da zona rural romena.

"Nas palavras de Acton: "[Os ciganos] são um povo extremamente
desunido e mal-definido, possuindo uma continuidade, em vez de uma
comunidade, de cultura. Indivíduos que compartilham a ascendência e a
reputação de "cigano" podem ter quase nada em comum no seu modo de
viver, na cultura visível ou na língua. Os ciganos provavelmente
nunca foram um povo unido".

Por este, e vários outros motivos, que não analisarei agora, pouca
coisa se sabe sobre as culturas ciganas, inclusive no Brasil. E
principalmente por causa dos próprios ciganos, muitos dos quais se
recusam a dar informações sobre a sua cultura. A cigana brasileira
Jordana Aristicht, p.ex., declara: "É inadmissível que um não-cigano
venha a conhecer mais as nossas tradições, hábitos e costumes do que
nós mesmos". Ou então acham que os antropólogos e ciganólogos não-
ciganos são incapazes de estudar e entender a sua cultura, são uns
alienados ignorantes que só dizem inverdades quando não mentiras
propositais, como tem várias vezes aqui dito a Mirian Stanescon que
se considera a única e verdadeira conhecedora da cultura cigana no
Brasil, porque a cultura Stanescon, obviamente, deve ou deveria ser a
cultura de todos os ciganos no Brasil.

Acontece apenas que a Mirian Stanescon é o que os ingleses, numa
palavra bem curta e intraduzivel, chamam de uma "un-rom". E durante
toda sua vida a Mirian se comportou como uma "un-rom". Acredito que
daqui a pouco quando falarei da cultura ideal e da cultura real, da
cultura teórica e da cultura prática, este "un-rom" ficará mais
claro. Significa, mais ou menos, que alguém de fato é e se diz
cigano, mas não age como cigano e até contraria quase todos os
valores culturais ciganos. Como, comprovadamente, a princesa e futura
rainha cigana Mirian Stanescon tem feito durante toda sua vida, e
provavelmente ainda faz. Até o fato de auto-denominar-se "princesa
cigana kalderash" é "un-rom". E é por causa disto que, conforme
informações que recebi de vários ciganos, a quase totalidade dos
ciganos do Rio de Janeiro não a considera mais uma cigana. De "um-
rom" virou "não-rom".

Pergunto então: se a etno-egocêntrica e ego-idólatra Mirian Stanescon
não é nem mais considerada cigana pelos próprios ciganos kalderash (a
não ser pelos membros de sua própria família nuclear ou extensa), o
que justifica ainda a sua presença aqui, neste GT Culturas Ciganas?

Para ela, o que os outros – inclusive ciganos, mas principalmente não-
ciganos como eu - escrevem ou dizem, é apenas lixo, mentira,
inverdade, fantasia, invenção. Para ela os ciganos, imaginem só, são
originários do Egito; para ela os ciganos brasileiros nunca foram
traficantes de escravos; para ela é impossível no Brasil existirem
prostitutas ciganas ou cafetinas ciganas que prostituem crianças e
adolescentes ciganas. Inclusive deve ser mentira tudo que já
escreveram muitos ciganos dos Estados Unidos (como o professor
universitário Ian Hancock e outros) ou da Europa (o deputado cigano
Juan de Dios Ramirez-Herédia, o antropólogo cigano Antônio Torres e
outros), ou aqui no Brasil, a bela ex-modelo Jordana Aristicth, a
primeira cigana brasileira a escrever um livro sobre seu povo, em
1995 [Ciganos: a verdade sobre nossas tradições], ou ciganos como o
já falecido médico Oswaldo Macêdo [Ciganos: natureza e cultura], o
kalderash mineiro Hugo Caldeira [A bíblia e os ciganos], Sally
Esmeralda Liechocki [Ciganos: a realidade]. A Mirian Stanescon
certamente tentará reduzir a pó a ciganidade ou a credibilidade dos
ciganos brasileiros citados, mas nunca saberá reduzir à pó a
ciganidade de famosos escritores, professores ou deputados ciganos
europeus ou americanos.

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